domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril de 1974




Eu Sou Português Aqui

Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

José Fanha
Em Portugal, passados 36 anos, cada vez menos se sente "Abril a voar no peito". Cada vez mais reduzimos a nossa existência ao arrebique da moda, ao gadget tecnológico, ao concurso de dança...cada vez menos pensamos nos "outros", que vivem paredes meias connosco, mas que não conhecemos e não queremos conhecer, porque, ao conhecer, estaremos a abrir uma brecha, na muralha da ausência de sentimento e vamo-nos sentir incomodados, talvez até, pensar que é "preciso fazer alguma coisa", para alterar o estado degradante a que chegou a nossa sociedade.
Mas, felizmente, são pensamentos breves, fugazes, rápidamente ultrapassados pelo interesse em saber o que aconteceu à "fulaninha" da nóva série de vampiros que passa na televisão.
A nossa sociedade, fundamentalmente, preocupa-se em permitir-nos viver sem "pensar", sem "reflectir" sobre a nossa vida, o nosso mundo e o que nos rodeia. Bombardeia-nos, diáriamente, com mensagens, directas ou não, transformando o acessório em algo que reputamos imprescindível para viver. Aquietamos a nossa consciência dando contributo para os desalojados de uma tempestade, mas, somos incapazes de ir "mais além".
Até quando?

sábado, 24 de abril de 2010

25 de Abril de 1974

Um dos grandes, senão o maior, erros, do regime ditatorial Português, foi não ter entendido, ou recusar-se a entender, que a independência das colónias era imparável. Os regimes colononialistas, após a II Guerra Mundial, mais ainda depois de Dhien Bhien Phu e da crise do Suez, tentaram salvaguardar os privilégios possíveis, mantendo a influência política e económica, mais ou menos encapotada, mas, necessitaram de aceitar a independência dos territórios ultramarinos. O governo Português, "orgulhosamente só", apenas conseguiu chacinar as populações Africanas, e mandar para a morte, os seus próprios filhos, em "defesa" de uma "Pátria" irreal.

Quando comecei a escrever este "post", pensava concluir com o belo e terrível poema de Fernando Pessoa "O menino da sua Mãe", mas, entretanto, um outro me aflorou a memória: "Menina dos Olhos Tristes", que escutei, pela primeira vez, por 1972/73, numa estação de rádio estrangeira, e rememorei toda essa época, reviví esse tempo soturno, triste, de ar pesado que sofucava, que prendia os pulmões, não os deixando respirar, ao mesmo tempo que prendia os sentimentos e acorrentava os corações de um povo inteiro. Algumas vozes, corajosas, mantinham, no entanto, acesa a chama da luta pela Liberdade, que, ainda que silenciosamente, se aproximava..
A voz é de Adriano Correia de Oliveira, uma das mais belas vozes Portuguesas da segunda metade do século XX.

Glória aos esquecidos!



Menina Dos Olhos Tristes
Menina dos olhos tristes
o que tanto a faz chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Vamos senhor pensativo
olhe o cachimbo a apagar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Senhora de olhos cansados
porque a fatiga o tear
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

Anda bem triste um amigo
uma carta o fez chorar
o soldadinho não volta
do outro lado do mar

A lua que é viajante
é que nos pode informar
o soldadinho já volta
está mesmo quase a chegar

Vem numa caixa de pinho
do outro lado do mar
desta vez o soldadinho
nunca mais se faz ao mar

quarta-feira, 21 de abril de 2010

25 de Abril de 1974




José Carlos Ary dos Santos foi (é...) um dos maiores poetas Portugueses do século XX. Homem de convicções fortes, de enorme coragem, que nunca se submeteu ao regime que
oprimia a sua capacidade criadora. Actualmente pouco se ouve falar deste "grande" das letras Portuguesas, assim como Teresa Silva Carvalho, também esquecida, na voragem do tempo. A memória dos povos, infelizmente, tem muitas falhas.
A canção que se escuta possui a raridade de reunir as qualidades de três artistas incomuns: a beleza das palavras de Ary, a invulgaridade da voz de Teresa e o génio de Albinone.


Que mais se pode pedir?






Ai quanto caminho andado
desde o primeiro poema
quanto furor amassado
com mãos de alegria e pena
ai quanto caminho andado
serena.

Chamo por ti mas tu não vens
dentro de mim te chamo
mas tu não estás
mas tu não vês
meu amor tu não és
quem amo.

Ai quanto caminho andado
sozinha dentro de mim
quanto amor ensanguentado
quanto arrancado jardim
ai quanto caminho andado
sem fim.




25 de Abril, sempre!









segunda-feira, 19 de abril de 2010

25 de Abril de 1974


Dentro de 6 dias, completam-se 36 anos após a revolução de 25 de Abril de 1974. Passadas quase quatro décadas, parece pretender-se apagar da memória essa data, esvaziando-a de significado, modificando a sua génese, enviando para o caixote do lixo a história de muitos Portugueses, homens e mulheres, que lutaram até à exaustão, para que um dia, Portugal pudesse ser livre. O "Memórias e Novidades", nos próximos dias, irá recordar alguns, que estão esquecidos, para que, pelo menos neste recanto, a memória permaneça...
Iniciamos com José Afonso, nome maior da música Portuguesa do século XX.

"Vejam Bem"



Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem se põe a pensar
quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

E se houver
uma praça de gente madura
e uma estátua
e uma estátua de febre a arder

Anda alguém
pela noite de breu à procura
e não há quem lhe queira valer
e não há quem lhe queira valer

Vejam bem
daquele homem a fraca figura
desbravando os caminhos do pão
desbravando os caminhos do pão

E se houver
uma praça de gente madura
ninguém vem levantá-lo do chão
ninguém vem levantá-lo do chão

Vejam bem
que não há só gaivotas em terra
quando um homem
quando um homem se põe a pensar

Quem lá vem
dorme à noite ao relento na areia
dorme à noite ao relento no mar
dorme à noite ao relento no mar

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Publicar, agradar, apreciar...

Perguntas-te há uns dias,
Se podias publicar,
Digo-te sem euforias,
Que isso me iria agradar.

Não entendo muito bem,
Quem deles poderia gostar,
Pois meus versos nada têm,
Que faça alguém para eles olhar.

Aceitei o desafio,
De continuar a criar,
Com calor ou com frio,
Frases que vão rimar.

Sempre que um verso criar,
Nem que seja alem mar,
Eu irei te enviar,
Para que o possas apreciar.

Alexandre Cardoso






Alexandre Cardoso, já aqui mencionado, é um homem ciêntifico. Trabalha com matemática, com geometria, com electrónica...dito de outra forma, reúne e utiliza, quotidianamente, um conjunto de saberes "exactos", "medidos a compasso e a esquadro".
Todavia, Alexandre Cardoso, consegue, de igual modo, "sentir" a beleza , que não se mede, a bondade, que não se pesa, o espírito criador ( por isso, livre...) que não se prende com os grilhões da "tecnologia". Também por isso o "calor e o frio", seja aquém ou além mar, não o conseguirão parar... exactamente como o "Movimento Perpétuo", de Carlos Paredes.