domingo, 23 de agosto de 2009
A colina
A aldeia mal passava de um amontoado de barracas, tendas, algumas -poucas - casas dignas desse nome. O bombardeamento prévio já tinha destruido a maior parte, mas ainda se encontrava resistência nalguns locais. Snipers, núcleos dispersos de poucas unidades, emboscados nos escombros, ainda com capacidade de resposta, varrendo os pontos mais expostos. Fogo de morteiros ainda flagelava o local.O Tenente tinha-me mandado assumir posição numa colina, de cota baixa, alguns 25/30 metros de altura, sobranceira à aldeia, a uns 80/100 metros de distância. Levava comigo o equipamento de comunicações de emergência, uma Galil 7.62 montada como metralhadora ligeira e um municiador. Aproximamo-nos pelo lado Oriental, com o sol nascente pelas costas. Seriam umas 5 horas. Já perto do topo, algumas pedras de média dimensão escondiam o acesso ao cume. Enquanto o municiador ficou parado, rastejei por entre as pedras,.. os morteiros e alguns rockets recomeçaram a caír. As pedras escondiam uma espécie de pequena bacia, de 3/4 metros de fundo, retomando a seguir uma suave subida até ao cimo. O inimigo jazia, meio torcido, numa posição quase de acrobata, o ventre completamente aberto, os órgãos internos escorrendo em direcção ao chão. A face espelhava o terror e a dor que sentia. Iluminado pelos primeiros raios luz,o s dentes ressaltavam, a branco, na pele morena. Senti o fedor do seu medo, das suas entranhas e da morte que se aproximava velozmente. Não sabia se existiriam outros inimigos encobertos, por isso,empunhando a faca de combate, rastejei até perto dele. Olhou directamente para mim e,nos seus olhos, não consegui mais encontrar ódio, mas apenas desespero. Os morteiros começaram a caír em maior número. Ouvi um grito, vindo do local onde ficara o municiador e senti um esticão surpreendentemente forte na perna direita. Enquanto o sangue que jorrava da ferida me salpicava a cara e me impedia de ver o sol a levantar-se no horizonte, ainda consegui pensar:"é agora...", agarrar a mão do moribundo e começar a recitar: "Deus,o Eterno,o Omnipresente,o Omnisciente..."antes de, por minha vez, mergulhar na escuridão, suave e doce, do esquecimento.
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