quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O Copista





  "O sol trespassou os vitrais, com tonalidades douradas e carmesim, criando turbilhões de cor sobre as suas mãos… aquelas mãos de dedos longos e finos, manchados pelas tintas, ligeiramente torcidos pelo uso constante da pena.
O copista desviou a atenção da iluminura que desenhava, laboriosamente. O olhar repousou, quase pela primeira vez, na mesa de trabalho, transformada pela luz dançante num pequeno mundo, multicolorido pelas gotas de tinta caídas - absorvidas pela madeira, amalgamadas com as lágrimas de emoção, que tantas vezes lhe corriam pelas faces, ao copiar antigos textos, vivendo aquelas histórias, sentindo as personagens que transcrevia…
 Levantou-se da mesa, com dificuldade, esticando as costas,doloridas pelas longas horas sentado e aproximou-se da janela, abrindo-a de par em par. O vento fresco da manhã entrou na sala, com força, trazendo o cheiro dos campos de alfazema, agitando-lhe os cabelos, arrepiando-o com a sua frescura, agitando o seu corpo e o seu espírito.
A encosta onde se inseria o mosteiro descia, íngreme, algumas centenas de metros, até se abrir num longo vale, dominado pelo lilás, roxo e púrpura da alfazema florida, entremeada por farrapos de outras cores, num arco-íris deslumbrante.
O vento, as cores, os aromas, eram um grito de vida, rompendo o silêncio monacal. Ali permaneceu, estático, os sentidos apurados, absorvendo as imagens, os sons, notando como as montanhas, ao longe, do outro lado do vale, subiam, altaneiras, contraforte sobre contraforte, em cores de azul-escuro, castanho terra,verde musgo e negro, com o sol matinal espreitando por cima, fazendo cerrar os olhos com a sua luz.
Ao fim de uma eternidade, o copista, ajoelhando-se, levantou os braços num gesto de invocação, clamando:` Senhor, como é grande a Tua glória!`"

 

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Para Ti




      



                     As roseiras


  quando meus olhos abertos
  não puderem ver mais
  porque a centelha da vida
  não mais permanece

  não chores
 

  porque ausente
  cadente
  numa estrela
  presente

 
  não lamentes
 

  olha em torno
  procura a colina verde
  e a casa branca no topo
  com a cerca de madeira
  e cortinas de renda nas janelas

 
  não temas

  as roseiras estão secas
  descuidadas
  mas um toque
  das tuas mãos
  e desabrocham

  não chores
  não lamentes
  não temas

  a espera não é longa
  e a eternidade é um instante


                                                 01 Agosto 2012